sábado, 4 de julho de 2009

Troca de favores - Valdo Cruz

A melhor e mais reveladora definição sobre a crise envolvendo o Senado veio do senador Epitácio Cafeteira (PTB-MA) ao justificar a contratação de um neto do presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP). O senador maranhense resumiu tudo a uma troca de favores. Nomeou o neto de Sarney, sem o conhecimento deste, porque devia favores ao filho do colega, Fernando Sarney.

Simples assim. Fico imaginando o que um trabalhador brasileiro, vítima da atual crise econômica, sem emprego, deve pensar dessa pérola. Como não tem um senador que lhe deve favores, um belo emprego de R$ 7 mil está fora de cogitação no momento.

O fato é que o Senado virou uma casa de favores. E não deveria ser. Hoje, centro das atenções da crise, o senador José Sarney é apenas mais um de seus personagens. Posso estar enganado, mas dentro da Casa dificilmente encontraremos um senador que não tenha cometido pelo menos um pequeno desvio. Que eles, senadores, consideram normal, porque assim era a prática e ninguém até então tinha dado transparência a esses atos.

A lista é enorme. Vai de um celular custeado por verba pública emprestado a uma filha ao uso de verba de viagens para pagar jatinhos. Contratação de filha de ex-presidente da República para trabalhar em casa a uso da verba de auxílio-moradia para comprar flats em Brasília. Empreguinho para amigos, filhos de amigos, parentes, então, sempre foi normal. Daí que o presidente Sarney admite ter indicado uma sobrinha de sua mulher para um cargo no Senado. Não é ilegal. É normal. Mas não deveria ser assim.

Acaba perpetuando uma categoria, a de parente ou amigo de político, na classe dos privilegiados. Esses nunca estão ameaçados pelo desemprego, ao contrário da maioria dos trabalhadores. Mas tudo aos olhos dos senadores não passa de uma prática antiga, tradição da Casa. Só que o mundo da notícia em tempo real, da busca pela transparência, está expondo esse lado arcaico, atrasado e patrimonialista do Senado.

Sarney se defende dizendo que foi iniciativa sua a contratação da Fundação Getúlio Vargas para passar a limpo a administração da Casa. Correto. Mas sua própria iniciativa, mesclada pela guerra de bastidores detonada pela sua eleição para o comando do Senado, transformou-o em alvo do processo. Seus atos foram expostos publicamente, ao julgamento da opinião pública. Ele reclama que, até aqui, só os seus atos têm ganhado destaque. Tem sentido. Há decisões de outros senadores que também deveriam ser tornadas públicas.

Um erro, ou desvio, seja lá o que for, porém, não justifica o outro. Reforça, contudo, a avaliação de que a saída mais fácil e vantajosa para os membros da Casa hoje seria a renúncia de Sarney. Poderíamos ver repetida a velha cena de sempre. Sacrifica-se um para salvarem-se todos, ou pelo menos quase todos. A hora é de punir sem distinção, e realmente passar a Casa a limpo.

Valdo Cruz, 48, é repórter especial da Folha. Foi diretor-executivo da Sucursal de Brasília durante os dois mandatos de FHC e no primeiro de Lula. Ocupou a secretaria de redação da sucursal. Escreve às terças.

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http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/valdocruz/

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