O recuo da presidente
30/12/2013- 04h30
Ontem, nesta Folha, Luiz Gonzaga Belluzzo afirmou em
entrevista que a presidente Dilma Rousseff “está perdendo a batalha
política e ideológica para o mercado financeiro”, enquanto o editorial do jornal dizia a mesma coisa em outras palavras: ela “rendeu-se às críticas de sua política econômica”.
Ao contrário de Belluzzo, eu não sou amigo pessoal da
presidente, mas desde o início de seu governo tenho torcido por ela, não
apenas porque torcer por seu presidente é torcer pelo Brasil, mas
porque partilho com ela a convicção que só uma política
desenvolvimentista pode levar um país
ao crescimento acelerado necessário ao “catching up”. E por isso apoiei
sua política macroeconômica inicial de baixar a taxa de juros e
depreciar a taxa de câmbio, e sua política industrial.
Depois dos dois primeiros anos de governo, ficou claro que a estratégia não dera certo: que os investimentos
continuavam paralisados e a economia não crescia, e, não bastasse isso,
que a inflação mostrava sinais de aceleramento. E quando, afinal, o
mercado sinalizou que a desvalorização era necessária, o governo se
aplicou em contê-la para conter a inflação. Diante disso, os ideólogos
da coalizão financeiro-rentista que vinha sendo desafiada recuperaram a voz, orquestraram sua crítica, e o governo se viu diante de uma crise de confiança nos planos nacional e mundial.
Há duas possíveis explicações para o fato: ou é preciso deixar o
câmbio apreciado e a taxa de juros alta, como pretendem os liberais, ou
mudar a matriz macroeconômica do país, tirando-o da armadilha dos juros
altos e do câmbio sobreapreciado que limita seu crescimento desde o fim
da inflação alta.
Meus leitores já sabem minha resposta a essa questão. O
que o governo fez nos seus dois primeiros anos foi exatamente tentar
mudar a matriz macroeconômica. Foi bem sucedido em relação aos juros,
mas o que logrou em relação ao câmbio (uma desvalorização real de cerca
de 20%) ficou muito aquém do que era necessário para que os empresários
investissem. A taxa de câmbio competitiva, que denomino “de equilíbrio
industrial” está hoje em torno de R$ 3,00 por dólar, enquanto a taxa de
câmbio que recebera do governo anterior (R$ 1,65 por dólar que, aos preços
de hoje, corresponde a R$ 1,95) estava incrivelmente sobreapreciada; a
correção para R$ 2,35 (sempre a preços de hoje) foi corajosa mas
insuficiente.
Por que o governo não realizou toda a desvalorização que era
necessária? Essencialmente, porque não tinha apoio nem na sociedade nem
entre os economistas para realizá-la. Porque há um custo a ser pago no
curto prazo com uma desvalorização que poucos estão hoje dispostos a
pagar. Porque a sociedade brasileira até hoje não compreendeu que uma
taxa de câmbio equilibrada, competitiva, é uma condição para que as
empresas invistam e o país cresça com força.
O liberalismo está hoje cantando vitória, mas que vitória?
A vitória do câmbio apreciado e dos juros altos? Sem dúvida, mas uma
vitória de Pirro, porque abre o caminho para a crise de balanço de pagamentos. Não acredito que a presidente Dilma Rousseff se dê por vencida. Teremos novos rounds pela frente.
Luiz Carlos Bresser-Pereira é professor
emérito da Fundação Getúlio Vargas, onde ensina economia, teoria
política e teoria social. É presidente do Centro de Economia Política e
editor da “Revista de Economia Política” desde 2001. Foi ministro da Fazenda, da Administração e Reforma do Estado, e da Ciência e Tecnologia. Escreve a cada duas semanas, aos domingos, na versão impressa de “Mundo”.
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