A pesquisa que o Vox Populi realizou para a Associação dos Magistrados do Brasil, publicada nos jornais de 13/08 - melhores edições foram de "O Estado de S. Paulo", matéria assinada por Mariângela Galucci, e desta TRIBUNA DA IMPRENSA, sem assinatura - revela que para nada menos que 82 por cento da opinião pública os políticos no poder não cumprem as promessas da campanha eleitoral. Uma atitude sempre intoxicante que leva à farsa. Na interpretação de 73 por cento, os eleitores votam com medo de perder o emprego.
A parcela de 68 por cento tem esperança que o voto em um candidato possa mudar sua vida. Os resultados são plenamente lógicos. Vivemos em um país de carências enormes, no qual o destino da população e das comunidades está na razão direta de uma forte dependência do poder público. Os políticos sem compromisso com qualquer esforço de mudança para melhor jogam com esta realidade social. De uns tempos para cá, inclusive, utilizam a palavra mágica do marketing na tentativa ilusionista de substituir ações concretas.
Infelizmente, têm conseguido êxito. A abstenção é muito baixa no Brasil, a taxa de votos nulos e brancos também. Mas eu analisava os resultados do Vox Populi com base nas carências sociais. Pois é. Fui à livraria do IBGE no centro do Rio, adquirir Anuário Estatístico de 2007, que circulou há duas semanas. As escalas salariais dos trabalhadores e servidores públicos brasileiros estão na página 47. Quem desejar vê-las não há como errar o caminho. Vinte e um milhões de pessoas figuram como sem rendimento. Vivem de biscates, pequenas tarefas esporádicas, portanto.
Doze milhões e 900 mil, para ser exato, ganham por mês até um salário mínimo. Quinze milhões e 400 mil têm remuneração de 1 a 2 pisos. Entre 2 e 3 salários são 6 milhões e 500 mil. Cinco milhões de assalariados percebem de 3 a 5 salários mínimos. Quatro milhões entre 5 e 10 mínimos. Um milhão e quatrocentos mil entre 10 e 20 pisos. Ou 4.150 a 8.300 reais.
Estes últimos sim estão na classe média. Além do teto de 20 mínimos, apenas 0,5 por cento da mão-de-obra ativa. A força de trabalho brasileira é formada, também de acordo com o IBGE, por 95 milhões de pessoas, praticamente metade da população total. Os números do IBGE colidem com os da Fundação Getúlio Vargas anunciados pelo economista Marcelo Neri.
O IBGE derrotou a FGV, título deste artigo. Está dando mais Ibope. Aliás, seria interessante que o Ibope levasse a efeito levantamento para saber como a opinião pública recebeu o trabalho da Getúlio Vargas e qual o reflexo da renda no comportamento do eleitorado. Afinal de contas, a FGV traçou um perfil chamando de classe média os que percebem por mês de 1.064 a 4.591 reais. O IBGE focaliza o quadro social por um ângulo completamente diverso.
Inclusive, é essencial chamar atenção para um aspecto: para o IBGE, 20 milhões e 900 mil ganham até um salário mínimo mensal. As faixas percentuais localizadas pelo IBGE são totalmente diferentes das encontradas pela FGV. Basta comparar. As carências e esperanças repousam no poder, convergem para ele. É um movimento natural. Nada mais legítimo do que querer melhorar de vida, fortalecer a família, encaminhar os filhos e netos. São aspirações legítimas, respeitáveis. Devemos respeitar.
Há alguns anos, quando ainda chefiava o departamento mercadológico da Rede Globo, o bruxo Homero Icaza Sanches, afastado em 82 quando denunciou a tentativa de fraude da Proconsult, elaborou um estudo socialmente importante. Especialista em pesquisas, principalmente nas de mercado, traçou um paralelismo sobre as classes sócio-econômicas e as aspirações ou sonhos de cada uma delas. Pesquisou a fundo.
Concluiu que, pelo menos, a vontade de cada grupo é galgar sempre pelo menos um patamar acima. Impulso natural. Mas como conseguir? Os degraus estão na escada do poder, seja ele público ou privado. O principal lance está na política. Que, aliás, encontra-se presente em tudo, não só na urna. Mas na vida, no cotidiano de cada um de nós. Por isso, acho graça quando alguém diz que não suporta política. Pode não suportar no sentido de não gostar. Mas tem de suportar porque a política está eterna e profundamente embutida na realidade humana.
Quem disser que não age politicamente está mentindo. Há limites para tudo. Mas esta é outra questão. Na peça Ricardo III, num momento crítico de uma batalha decisiva, Skakespeare colocou a frase meu reino por um cavalo. Era um combate mortal de segmentos militares que a obra de arte focaliza. Traduzindo-se na vida cotidiana, pode-se dizer, penso eu: meu reino por uma caneta. Sim. Porque a luta toda, de todos nós, é pela caneta do saber, pela caneta da nomeação, da escolha que muda o destino, da que preenche cheque, que sintetiza a nossa capacidade de pagar as contas.
E também - para alguns - a possibilidade de investir. Para se chegar à caneta, para se atingir ou participar do poder, seja em que escala for, só há dois caminhos: o das urnas e o das armas. O das armas deixou uma triste história no país de 64 a 85, quando José Sarney assumiu a presidência da República. O das urnas, simbolizando a democracia e a liberdade, é pelo menos um milhão de vezes melhor e mais factível. Mas falei de esperança, portanto de perspectiva.
Cada um tem a sua. Por isso, quanto maior for a carência, maior será também a presença do poder público no voto. Nos Estados Unidos, nação de renda alta, esta influência pesa muito menos que no Brasil. Num universo tão carente, como o nosso, o que esperar do eleitor e da eleitora? Que resistam às promessas? É pedir demais ao ser humano. O pior, sobretudo, não é ceder a elas, mas o fato de seus autores não cumpri-las.
Nenhum comentário:
Postar um comentário