BRASÍLIA - O assunto que estava encerrado na véspera ressuscitou no dia seguinte. Porque segunda-feira, em Brasília, o presidente Lula obrigou o ministro da Justiça a recuar na tentativa de revisão da lei de Anistia e disse que a questão era do Judiciário, não do Executivo. Na terça-feira, porém, ao entregar à diretoria da União Nacional dos Estudantes o terreno de sua antiga sede, no Rio, exortou quantos pretendem levar torturadores ao banco dos réus a apenas cultuarem seus heróis, deixando de considerá-los vítimas e, assim, abandonando a hipótese de ver o governo empenhado na abertura de processos contra os responsáveis.
Desagradou os dois lados, conforme se ouvia ontem nos corredores do Congresso. Os agastados militares não gostaram de ver transformados em heróis aqueles que continuam rotulando como adversários caídos no auge da confrontação. Não tem como considerar heróis quantos se empenharam na luta armada, assaltaram, seqüestraram, assassinaram e dedicaram-se a atos de terrorismo.
Já os familiares dos torturados, assassinados e desaparecidos não se conformaram com o resultado final das palavras do presidente, que será a omissão do governo diante da possibilidade de punição aos torturadores.
De qualquer forma, os militares aferram-se ao que lhes favorece, nos conceitos do Lula: o assunto está encerrado. Do outro lado, aos que clamam por justiça, resta celebrar a mudança de rótulo de seus entes queridos, de vítimas para heróis. Aguardam-se iniciativas para que virem nomes de rua ou ganhem bustos em praça pública...
Dessa história, sai todo mundo mal, começando pelo governo. Sem esquecer os responsáveis pela tortura e aqueles que buscaram renascer velhas feridas com óbvios objetivos políticos, esquecidos de que aceitaram a lei de Anistia como solução negociada para a volta do País à democracia.
Desafio
Em Mato Grosso e outros quatro estados, a Polícia Federal desafiou o Supremo Tribunal Federal quando algemou e convocou a imprensa para assistir à prisão de 32 servidores públicos e despachantes acusados de corrupção. Não eram seqüestradores, narcotraficantes, assassinos ou bandidos ligados à violência física, mas ladrões de dinheiros públicos, chantagistas e supostos criminosos de colarinho branco. Mereceram a prisão imagina-se, mas jamais as algemas e a exposição pública, de vez que a Justiça poderá considerá-los inocentes.
O superintendente da PF em Mato Grosso sustentou que depois de alguém ser preso fica difícil saber qual sua reação. Assim, algemar a todos foi medida de cautela.
Não há como deixar de concluir tratar-se o episódio de um desafio dos agentes da lei a mais alta corte nacional de Justiça, que dias antes proibiu o uso de algemas a não ser em casos de periculosidade óbvia do preso, ou seja, a possibilidade dele reagir, fugir ou atacar os policiais.
Em boa coisa não vai dar esse confronto, tendo em vista que o Supremo não pode deixar de reagir. Desmoraliza-se caso permaneça de braços cruzados. Se não aconteceu ontem, acontecerá hoje manifestação veemente. Tomara que não seja a concessão de montes de habeas-corpus aos presos, que no fim parecerão os maiores beneficiados das algemas...
Racha no PMDB
Em Fortaleza, um racha de razoáveis proporções: o presidente de honra do PMDB, Paes de Andrade, emprestou apoio público à senadora Patrícia Saboya, do PDT, candidata à prefeitura local. Como o PMDB fecha com Luziane Lins, inclusive o genro do ex-presidente da Câmara, Eunício Oliveira, a briga passa também a familiar.
No fundo, a questão é mais aguda. Paes tem pretensões de voltar a presidir de fato o PMDB, com o afastamento do presidente Michel Temer no fim do ano, candidato que será à presidência da Câmara. Existem outros candidatos, desde o secretário-geral do partido, Eliseu Padilha, à vice-presidente, Íris de Araújo.
Michel lava as mãos, espera a poeira assentar e aparecer um nome de consenso, já que parece difícil seguir o exemplo do dr. Ulysses e acumular a presidência do partido com a presidência da Câmara.
Mais um que se vai
Cria problemas no Palácio do Planalto a assinatura de Márcio Thomaz Bastos no manifesto de eminentes juristas e advogados em favor da reabertura de processo contra supostos torturadores durante o regime militar. Porque o ex-ministro da Justiça, mesmo afastado do governo, é dos poucos conselheiros que o presidente Lula consulta.
Cada vez mais isolado na burocracia de seu gabinete, o chefe do governo compreendeu mas não gostou do apoio de Márcio à corrente que por motivos jurídicos desconhece as razões políticas da anistia. Se prescreveram ou não os crimes de tortura, é outra história, mas o que o Lula não quer é ver os militares em ebulição, agora com a ajuda de seu ex-ministro da Justiça. Além do que, a assinatura em questão reforça a posição do atual ministro, Tarso Genro, que já havia recuado e sido posto em silêncio...
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