sábado, 13 de setembro de 2008

A anta que veio do gelo (Sebastião Nery)

Jimmy Carter esteve no Brasil em 1972. Passou alguns dias em Recife com a mulher, em casa do casal Camilo Steiner, na praia da Piedade. A mulher de Steiner, americana da Geórgia, foi colega de colégio da mulher de Carter e continuaram amigas pela vida afora. O filho de Steiner estudou nos EUA, morando na casa de Carter.

Em Recife, o governador Eraldo Gueiros ofereceu um almoço a Jimmy Carter. Saudou-o o vice-governador Barreto Guimarães, gordo e barroco, lançando a candidatura de Carter à presidência dos Estados Unidos

- Vossa Excelência, senhor governador da Geórgia, tem a marca do estadista e estamos certos de que será o próximo ocupante da Casa Branca.
Carter apenas sorriu.
Jimmy Carter

No dia seguinte, Camilo Steiner nos convidou, a alguns jornalistas, para uma peixada e uma conversa com Carter. Anchieta Helcias, secretário de Indústria e Comércio do Estado, perguntou a Carter se ele tinha condições de sair candidato do Partido Democrata em 76. Carter perguntou:

- Qual o Estado mais pobre do Brasil?
- O Piauí.
- Pois a Geórgia é o Piauí de lá. O senhor acha que o governador do Piauí tem condições de ser o presidente do Brasil?

Anchieta também achava que não. Mas o povo americano achava.
Sarah

De repente, aparece uma anta medieval, bela anta mas anta, a Sarah, governadora do Alasca, dentro da campanha eleitoral dos Estados Unidos. E faz um furor, como vice do republicano McCain. Tão reacionária, tão atrasada, tão fundamentalista, tão distante do século XXI, que junto dela McCain virou um revolucionário e Barack Obama um incendiário.

E agora? Agora é o mistério. Como reagirá o eleitorado americano? Aqueles milhões de eleitores das pequenas cidades norte-americanas, preconceituosos e racistas, de casa para o trabalho, do trabalho para o clube, do clube para o bar, do bar para a igreja, da igreja para a frente da TV?

Os mesmos que em 1960 votaram no cosmopolita Kennedy torcendo para ele morrer e o provinciano Lindon Johnson assumir (Kennedy não morreu, eles mataram), podem estar pensando agora em eleger o frágil e doente McCain e rezar fervorosamente para ele morrer e a anta assumir.

Quem conhece os Estados Unidos é Hollyood. Lembrem-se dos filmes de Hollyood, as disputas esportivas, o fascínio pelas guerras, o racismo congênito. A anta que veio do gelo pode decidir essa eleição.
Ombudsman

Sábado é dia de ombudsman. Um velho e sábio jornalista mineiro, Monzeca, chefe de redações, ameaçava demitir quem usasse ponto e vírgula:

- Não há ponto e vírgula. Ponto é para parar, vírgula para seguir. Ponto e vírgula pára e segue, segue e pára. Para a frente e para trás. Mata o texto.

A "Folha" inventou, há muito tempo, coisa pior: a vírgula-ponto. Todo dia, nas "Frases" da página 2, ela insiste, como terça-feira:

"Acho que agora o presidente Lula está contente. Dunga, técnico da seleção, após a vitória sobre o Chile por 3 a 0, ontem na `Folha'" (sic).

Pensávamos que o jogo Brasil x Chile tinha sido no Estádio Nacional de Santiago. Mas a "Folha" diz que o jogo foi "na `Folha'", dentro da "Folha". Só não explica se foi na redação, na oficina ou lá em cima na diretoria.
"Folha"

Qualquer professorinha de escola primária teria corrigido a frase da "Folha", e corrigido com razão, mandando escrever assim:

"Acho que agora o presidente Lula está contente! Dunga, técnico da seleção, após a vitória sobre o Chile por 3 a 0. (Ponto). Ontem na `Folha'".

O "ontem na `Folha'" não faz parte da frase anterior, que fala sobre o resultado do jogo. É outra frase, sobre a publicação da declaração de Dunga, para dizer que já foi publicada no dia anterior ("ontem"), no jornal. Logo, entre as duas frases tem que haver é ponto e não vírgula.
Haddad

Se fosse apenas uma vez, seria um descuido. Mas é assim todo dia. Sistematicamente. Logo abaixo da frase do Dunga, há outra:

"Valdivia é nosso! Torcida do Brasil em Santiago, quando o jogador foi expulso da partida, ontem na `Folha'" (sic). O jogador foi expulso no campo e não "na Folha". "Ontem na Folha" tinha saído a notícia da expulsão do jogador, com o grito da torcida do Brasil. Logo, necessariamente, teria que haver ponto entre as duas frases.

Essa tolice diária da "Folha" parece bobagem, mas não é. O Ministério da Educação, comandado pelo jovem e excelente ministro Haddad, está fazendo um esforço enorme para que os alunos terminem o curso fundamental sabendo ler bem, entendendo o que leram e escrevendo.
Responsabilidade

Não é coisa de somenos importância, como diria Machado de Assis. Em um país como o nosso, de analfabetismo e semi-alfabetização ainda assustadores, onde livro é luxo, jornais e revistas são artigos educacionais.

A "Folha" é o mais influente jornal do País. Tem responsabilidade pública sobre o texto que entrega para ser lido, sobretudo pela infância e juventude. Não pode ensinar o errado. Terça-feira, estava numa manchete:

"Queda nas commodities levam (sic) bolsa brasileira a menor nível desde 2007". A "queda" "leva" e não "levam". Desculpem o mau jeito.

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