Quais poderão ser os reflexos da crise financeira aberta com a inadimplência registrada nos fundos imobiliários Fannie May e Freddie Mac, agravada com a falta de liquidez da corretora AIG, nas eleições americanas de 4 de novembro? Vão se fazer sentir, pois não existe ação sem reação e as posições dos candidatos Barack Obama e John McCain são divergentes em torno do tema, bastante complexo. Os dois pontos de vista foram bem focalizados pelas reportagens de Marília Martins, "O Globo", e de Andréa Murta, "Folha de S. Paulo", as duas publicadas no dia 17 de setembro.
McCain atacou fortemente os grandes gatos de Wall Street, Obama cobrou do governo George Bush um acompanhamento mais próximo e atento das operações de financiamento bancário, cujos resultados, quando negativos, colocam em risco a economia de centenas de milhões de pessoas. Isso nos EUA, que possuem 300 milhões de habitantes.
As conseqüências, entretanto, são também mundiais. As pesquisas eleitorais seguramente vão revelar nos próximos dias se as intenções de voto, agora, tornaram-se ou não diferentes daquelas verificadas antes da explosão. E não só da explosão, mas da investida estatal feita por Washington na tentativa de conter efeitos mais profundos da descapitalização que se generalizou no mercado e que, sem dúvida, beneficiou alguns poucos, já que não existe débito sem crédito, princípio universal do sistema financeiro. A estatização projeta-se nitidamente no crédito de 85 bilhões de dólares aberto pelo Tesouro em favor da AIG. Os bancos particulares recusaram-se a socorrer a supercorretora. Coisas da vida. Aliás, é sempre assim. Os rios correm para o mar, como se diz.
Se o tema inadimplência e falta de liquidez para nós é complexo a distância, imagine-se para os investidores norte-americanos, que estão com suas economias diretamente vinculadas à tempestade que, sejam quais forem as medidas, não pode ser dissipada a curto prazo. O volume de dinheiro é enorme. A este respeito, os professores José Luís Oreiro e Gabriel Coelho Squeff publicaram artigo primoroso, substancial e elucidativo, na edição de quarta-feira do "Valor", o mais completo jornal econômico do País atualmente.
Confrontaram o desabamento de 2008 com o craque de 1929 e percorreram o tempo entre ontem e hoje desenvolvendo uma análise extremamente inteligente. Se em 1929, governo Herbert Hoover, que perdeu a Casa Branca para Franklin Roosevelt em 32, fosse procurada a estrada estatal para encontrar a luz no fim do túnel, não teria havido milhares e milhares de falências, desabamento da Bolsa de Nova Iorque, milhões de desempregados, gigantescas filas públicas de distribuição de alimentos. Não teria havido fome e frio, abandono do sonho americano e solidão. Mas isso pertence ao passado.
No presente, Luís Oreiro e Gabriel Squeff revelam a verdadeira extensão da crise. Não se trata somente de o Tesouro injetar 200 bilhões nas contas em aberto do Freddie Mac e da Fannie May, além da intervenção estatal de 85 bilhões de dólares na AIG. A profundidade é várias vezes maior. O Lehman Brothers e o Merryl Linch são exemplos fortes. Não se trata apenas da absorção, por 44 bilhões, deste último pelo Bank of America.
Trata-se da flutuação de ativos que parecem fortes no papel, mas são movediços em padrões monetários de mercado. Uma quantidade enorme de letras imobiliárias não resgatadas nos prazos lastreia virtualmente esses ativos. Diminuíram, inclusive, porque se baseavam no valor das residências adquiridas a prazo. Como houve inadimplência, a oferta de imóveis cresceu. Em conseqüência, seu valor diminuiu.
A crise se ampliou. Squeff e Oreiro destacam a importância essencial da curva feita à esquerda por Washington, impensável em outros tempos. Tão impensável, talvez, como se alguém previsse, há vinte anos, uma abertura de mercado na China de Pequim. Tudo bem, mas tem um preço interno. Dentro do princípio de que não existe mesmo débito sem crédito, e vice-versa, a injeção de recursos do estado se reflete no déficit fiscal.
Os articulistas do "Valor" assinalam que a dívida pública americana é de 5 trilhões de dólares no momento. Com o socorro, que termina inevitavelmente numa renúncia fiscal, a Casa Branca pode salvar os poupadores, mas segue o trajeto adotado rumo a um déficit fiscal de outros 5 trilhões. Renúncia tributária e dívida interna podem representar um déficit fiscal de 10 trilhões de dólares, três quartos do PIB do país.
E as eleições? Como reagirá o eleitorado dos Estados Unidos? A crise pesa a favor ou contra Obama ou McCain? Um enigma. Mas vale pensar sobre o assunto. Sobretudo porque em 1956 dois acontecimentos internacionais mudaram o rumo das eleições. Adlai Stevenson, democrata, vinha bem à frente de Eisenhower, republicano. Mas faltando três semanas para as urnas, numa ação conjunta, Inglaterra, França e Israel invadem Suez.
Nasser ameaça dinamitar o canal e cortar o fornecimento de petróleo ao Ocidente. Dois dias depois, a URSS de Kruschev invade e massacra a Hungria, que tentava libertar-se de Moscou. Os Estados Unidos condenam as duas ações. O mundo poderia ir pelos ares. Os americanos preferiram reeleger o herói da invasão da Normandia em 1944.
O rumo da história mudou. E agora?
Nenhum comentário:
Postar um comentário