Foram absolutamente desastradas, despropositadas, de uma grosseria incrível, as declarações do ministro Gilmar Mendes contra o ministro Tarso Genro, apenas porque este defendeu a ação da Polícia Federal contra o banqueiro Daniel Dantas e sustentou que será muito difícil o controlador do Opportunity provar sua inocência. Tarso Genro não se referiu ao presidente do Supremo Tribunal Federal.
Mas surpreendentemente suas palavras incomodaram tanto que Gilmar Mendes, em resposta inusitada ao que não lhe foi imputado, disse que o titular da Justiça não tem competência para decidir inquéritos, muito menos prisão preventiva. Não cabe ao ministro da Justiça julgar, acrescentou Mendes.
Francamente, em toda a história do Supremo Tribunal Federal nunca houve um juiz como Gilmar Mendes. Ele desfocou totalmente a questão colocada por Tarso Genro. Este não quis julgar ninguém, tampouco decretar prisão preventiva alguma. Quis somente defender a ação da Polícia Federal. Não entrou no mérito da prisão preventiva. Vamos por partes.
Em primeiro lugar, Gilmar Mendes não tem razão em dizer que Tarso Genro não tem competência para decidir inquéritos. Tem sim. Tanto tem que a Polícia Federal lhe é diretamente subordinada. Em caso de dúvida, terá que decidir. Um presidente do Supremo não pode desconhecer matéria tão primária. Em segundo lugar, Tarso Genro não se referiu à prisão preventiva de Daniel Dantas.
Referiu-se ao julgamento final da questão. Por que isso teria irritado tanto Gilmar Mendes? Não se compreende. Gilmar Mendes concedeu dois habeas corpus a Dantas. Não julgou o processo contra ele. É claro. Não o absolveu. Não entrou no mérito do problema. Nem poderia. Ele unicamente achou inadequadas as prisões preventivas estabelecidas pelo juiz Fausto de Sanctis.
A impressão que dá é de que Gilmar Mendes caiu numa cilada armada por Tarso Genro. Neste caso, nesta hipótese, seu comportamento foi infantil demais. Tomado de fúria, não guardou a isenção e a serenidade, muito menos a distância que um ministro do STF deve manter, não só em relação ao caso Dantas-Naji Nahas-Celso Pita, mas em relação a tudo. Não levou em conta a majestade do cargo que ocupa. Enquanto isso, em São Paulo, na segunda-feira, juízes, promotores e procuradores reuniram-se em torno do juiz Fausto de Sanctis, para prestigiar suas decisões e, com isso, diretamente, manifestarem-se contra Gilmar Mendes.
Criou-se no País uma atmosfera efetivamente contrária ao presidente do Supremo. A impressão deixada por Mendes junto à opinião pública, sem a qual ninguém consegue exercer nada de positivo, é a de que ele, Mendes, considera antecipadamente Daniel Dantas inocente. Isso porque ao defender a liberdade do banqueiro não fez qualquer ressalva quanto ao julgamento definitivo que inevitavelmente terá que ocorrer.
Daniel Dantas, inclusive, como todos tomaram conhecimento, é acusado também de tentativa de suborno do delegado Protógenes Queiroz. Só parte para tentativa de suborno quem, tacitamente, se considera culpado. Agravando o panorama para o ministro Gilmar Mendes, seu ataque a Tarso Genro foi publicado no mesmo dia em que a imprensa revelou que o homem de confiança de Dantas, Humberto Braz, que se encontrava oculto, decidiu entregar-se à Polícia Federal. Há um filme gravado sobre sua atuação na proposta de suborno. Daniel
Dantas está profundamente complicado em toda a trama. Gilmar Mendes, na minha impressão, deixou-se levar pela emoção demasiada e foi tragado por um redemoinho de contradições. Não desempenhou um papel público à altura do posto que ocupa e exerce. Afinal de contas, ele é o atual presidente da Corte Suprema. Deverá afastar-se, até em benefício próprio, pois, enquanto permanecer, estará alimentando uma polêmica que tende a se aprofundar e acirrar cada vez mais.
Na terça-feira também, em artigo na "Folha de S. Paulo", Carlos Heitor Cony focalizou uma denúncia do jurista Dalmo Dallari. O Supremo Tribunal Federal não deve ser presidido por um juiz como Gilmar Mendes. Não demonstrou a devida serenidade para a missão de julgar. Antecipou-se ao processo. O foro de Daniel Dantas não é sequer privilegiado. Tanto não é que a ação contra ele encontra-se nas mãos do juiz Fausto de Sanctis, de primeira instância. Se fosse privilegiado, seus advogados já teriam desqualificado a decisão original de prisão preventiva no Tribunal Regional Federal de São Paulo, não havendo necessidade de recorrer ao STF.
O caso Daniel Dantas é extremamente complicado. Tão complicado que o jornal "Valor" publica, em sua edição também de 15 de julho, que a Comissão de Valores Mobiliários decidiu restringir a atuação de sociedades anônimas brasileiras que têm sedes em paraísos fiscais e operam na Bolsa de Valores de São Paulo. Tais empresas caracterizam-se como internacionais, porém seus ativos são na realidade brasileiros.
Na falsa qualidade, beneficiam-se dos incentivos financeiros existentes para aplicações no mercado acionário. Qual mercado acionário? O de Nova York? O de Londres? Não. O mercado brasileiro, que gira na Bovespa. Pela decisão da CVM, pode-se avaliar a torrente de questionamentos que vem por aí. Vem tarde. Mas antes tarde do que nunca.
Nenhum comentário:
Postar um comentário