BRASÍLIA - Deve dar graças a Deus o delegado Protógenes Queiroz por haver sido afastado da operação envolvendo Daniel Dantas sob a alegação de precisar freqüentar em tempo integral um curso de aperfeiçoamento para policiais. Estivéssemos na Itália de tempos atrás e seria diferente: ao transitar por uma ponte qualquer, seu carro explodiria, com ele dentro.
Os métodos são diferentes, mas a Máfia é a mesma, lá e cá. Pode o ministro Tarso Genro comentar "mera coincidência" no afastamento do delegado, como pode o presidente Lula criticar o uso de algemas e a espetacularização das prisões, mas, na verdade, Protógenes Queiroz foi defenestrado porque incomodava. Pior ainda, porque seguiria em frente no inquérito, a um passo de comprovar a tentativa de suborno praticada por Daniel Dantas contra colegas seus. Quer dizer, de levar o cidadão para a cadeia, sem direito a habeas-corpus.
Alega-se uma decisão burocrática da cúpula da Polícia Federal, situação idêntica àquela que se conta para as crianças sobre o diálogo entre o lobo e o cordeiro. O crime de colarinho branco demonstra estar tão bem ou mais organizado do que o narcotráfico. Primeiro por plantar na imprensa uma sucessão de meias notícias visando denegrir o policial. Depois, porque nem o Palácio do Planalto constituiu-se em obstáculo para impedir a punição de um funcionário público que cumpria o seu dever. Ou precisamente por isso.
Daniel Dantas deve estar esfregando as mãos de satisfação e apregoando aos sete ventos que mexer com ele sempre será uma fria. Para onde vai o inquérito é pergunta ainda sem resposta, mas os delegados que sucederem Protógenes Queiroz estarão com as barbas de molho. Cada episódio, a partir de agora, precisará seguir minuciosa cadeia de cautela. Para botar uma equipe na rua os delegados consultarão até o contínuo que serve cafezinho nos gabinetes de seus incontáveis superiores.
E de lá para cima, passando pelo Ministério da Justiça, juízos de primeira instância, tribunais superiores e sucedâneos. Alguém duvida de que numa dessas fases, ou em várias delas, não estarão simpatizantes e assalariados de Daniel Dantas, sempre um lance adiante, preparados para alertar o banqueiro?
O segredo deixará de ser a alma do negócio, ou melhor, das investigações. Uma lição a mais passada pelos praticantes de crimes financeiros. Só falta mesmo ganhar o País o slogan de que "basta de intermediários, Daniel Dantas para presidente".
O Poder Moderador
Durante a semana ainda fluíam pelos corredores do Congresso agora posto em recesso comentários nada simpáticos à iniciativa do presidente Lula de reunir em seu gabinete o presidente do Supremo Tribunal Federal e o ministro da Justiça, visando pacificá-los. Tratou-se da repetição de uma figura singular em nossas instituições dos tempos do Império, a "chave de toda a organização política", ou seja, o renascimento do Poder Moderador.
Cabia ao imperador exercer esse poder, destinado a velar sobre "a manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos demais poderes políticos". Estabeleciam-se situações que seriam cômicas se não fossem trágicas com quatro cadeiras e apenas três pessoas. Sempre que se verificava um impasse ou uma dissensão entre o Executivo e o Legislativo, ou o Executivo e o Judiciário, o imperador levantava-se da cadeira de chefe do Poder Executivo, que era, sentava-se na cadeira de chefe do Poder Moderador e dizia: "Agora vamos resolver a questão." Imagine-se como...
Fez coisa parecida o presidente Lula. Estava em choque o Judiciário, pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, e o Executivo, pelo ministro da Justiça, Tarso Genro. Quem decidiu o conflito, até mesmo sem precisar deslocar-se da cadeira onde se posicionava em seu gabinete?
Tomara que não sejam seguidas as demais lições da Constituição de 1824, nesse capítulo, senão logo serão editadas medidas provisórias estabelecendo que "a pessoa do presidente é inviolável e sagrada: ele não está sujeito a responsabilidade alguma"...
Suco de uva em vez de vinho
Tudo tem limite, até essa polêmica Lei Seca, responsável pela diminuição do número de acidentes nas rodovias nacionais, mas em contrapartida, exprimindo uma lesão aos direitos individuais por proibir até mesmo a ingestão de um bombom de licor pelos motoristas.
Aconteceu pior na região de Ribeirão Preto. Um padre havia acabado de rezar missa em sua paróquia, mas deveria repetir a cerimônia num distrito próximo. Deslocou-se de carro e foi parado numa blitz da Polícia Rodoviária. Submetido ao bafômetro, viu-se reprovado. Havia tomado, no altar, o sagrado e histórico copo de vinho. A partir de agora, examina a hipótese de substituir o simbólico sangue de Cristo por um copo de suco de uva. Ainda bem que não se fabrica mais o "grapete", senão alguma multinacional logo arranjaria jeito para desencadear intensa campanha publicitária nas igrejas...
Convenhamos, nesse episódio o policial agiu com bom senso, era católico praticante e dispensou o prelado. Mas se, por hipótese, pertencesse à Igreja Universal ou outra evangélica qualquer, ou se fosse agnóstico, levaria ao pé da letra a aplicação da lei? Cassar a habilitação do padre e multá-lo em mais de 900 reais por haver celebrado missa?
Livra-se da Lei Seca quem pode dar-se ao luxo de dispor de motorista, ou, como derivativo, aqueles que utilizarem os serviços de táxi agora oferecidos pelos donos de bar. Mas o cidadão comum, aquele que não se embriaga, mas aprecia uma latinha de cerveja, um uísque ou uma taça de vinho, encontra-se nas garras do poder público, se sair dirigindo seu veículo. É o mal que nos assola desde o Descobrimento: o exagero.
Vai entrar para rachar
Do Palácio do Planalto chegam rumores de que o presidente Lula mostra-se disposto a não deixar acontecer, em outubro, o que aconteceu quatro anos atrás, quando Marta Suplicy perdeu no segundo turno a reeleição para a prefeitura de São Paulo. Em 2004, para José Serra, agora sob o risco de perder para Geraldo Alckmin, conforme as pesquisas, mesmo saindo vitoriosa na primeira votação.
Mesmo negando-se a subir na maioria dos palanques de seus companheiros e aliados, o presidente abrirá exceções, uma delas em São Paulo. Tanto por Marta, que se dispôs a deixar a tranqüilidade do Ministério do Turismo pela disputa nas ruas, quanto pelo fato de que, derrotado na maior cidade do País, o PT se enfraquecerá para a sucessão presidencial de 2010.
A pergunta que se faz é se votos se transferem. Pelo menos, não com facilidade. Assim, surge o reverso da medalha: e se Marta for derrotada, mesmo com o presidente Lula no palanque, o desgaste não será maior?
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