quarta-feira, 2 de julho de 2008

Quando as esquerdas se dividem (Carlos Chagas - Tribuna da Imprensa)

BRASÍLA - Faz muito tempo que se contesta a divisão ideológica das nações em esquerda e direita, dadas às confusões que fazem os integrantes de um e de outro lado, mas, mesmo assim, certas diferenças permanecem inalteráveis. Quem luta pela permanência e até a ampliação dos direitos trabalhistas é da esquerda, assim como quem prega a livre concorrência entre valores e identidades distintas é da direita.

Feito o preâmbulo, e apesar da lambança que leva o governo Lula a patrocinar a farra dos especuladores, ou faz José Serra sustentar a redução do lucro dos bancos, vale transplantar a discussão teórica para a prática das eleições de outubro. Mais uma vez, as esquerdas apresentam-se divididas na maioria das grandes cidades onde serão escolhidos os prefeitos.

Em Porto Alegre, nada menos do que três candidatas e um candidato de esquerda, do PT, do Psol e do PC do B e do PSB, disputam os votos que a direita cobiça. No Rio, a candidata do PC do B defronta-se com candidatos do Psol, do PSB, do PV, do PDT e outros. Em Fortaleza é parecido, em Recife é igual, em Curitiba não parece diferente.

São Paulo será exceção? Vale marcar coluna do meio, porque Marta Suplicy, do PT, conquistou o apoio do PC do B, de Aldo Rebello, e de legendas esparsas do bloquinho, nem por isso parte das esquerdas deixa de dividir-se entre Gilberto Kassab e Geraldo Alckmin. Salvo exceções, o resultado geral será o mesmo de sempre: o fracionamento de uns serve para eleger qualquer um representante dos outros.
Espremendo o caldo

Passadas as festas de São João, São Pedro e outros santos, volta o Congresso a dar quorum, esta semana e na próxima, mas a prazo fixo. A partir do dia 15 de julho, quando se inicia o recesso parlamentar, deputados e senadores tomam o rumo de seus estados para retornar a Brasília apenas a conta-gotas.

Deverão dedicar-se às campanhas municipais e permanecer nas bases mesmo depois da eleição de outubro, acompanhando e vigiando os resultados. A conseqüência é que apenas em novembro teremos votações importantes, salvo alguma crise ou conflito que ninguém deseja.

Interrompe-se a reforma tributária, permanece paralítica a reforma política, ficam para as calendas propostas capazes de beneficiar aposentados e pensionistas, bem como aquelas em condições de punir trabalhadores e assalariados.

A pergunta que se faz é se, depois de conhecidos e até proclamados os resultados das eleições municipais, haverá alguma alteração de vulto no equilíbrio das bancadas parlamentares. Porque se um determinado partido governista tiver a sorte de eleger prefeitos em diversas das grandes capitais, a conta será logo apresentada ao palácio do Planalto. No reverso da medalha, se for beneficiada alguma legenda da oposição, a cobrança não levará mais do que quinze minutos.

Tudo com vistas à sucessão presidencial de 2010. O PT joga na popularidade do presidente Lula para alimentar esperanças de uma candidatura própria, no caso, Dilma Rousseff. Já o PSDB antecipa algumas fichas do cacife de José Serra. Enquanto isso, o PMDB espera valorizar sua participação na mesa de jogo.
Os mudos não falam?

O exercício de certas funções, em especial próximas do poder, obriga seus ocupantes a um permanente silêncio. Assim vinha acontecendo desde o início do primeiro mandato de Lula com seu chefe de Gabinete, Gilberto Carvalho. Talvez o mais próximo auxiliar do presidente, conhecedor e artífice dos meandros do governo, neste fim de semana ele passou de mudo a falador. Falou a uma revista semanal e deixou dúvida fundamental em Brasília: por quê?

Passando numa lupa as declarações de Gilberto Carvalho, podem ser pinçadas algumas tentativas de explicação. Teria ele, propositadamente, deixado claro que o presidente Lula jamais foi amigo de José Dirceu? Ou que, no auge da crise do mensalão, seu chefe cogitou trocar a reeleição pelo compromisso de as oposições não levarem adiante um processo de impeachment?

Pretendeu mostrar um Lula humano, que se exasperou com o episódio dos dólares na cueca de um companheiro? Ou foi para sacramentar Dilma Rousseff como candidata em 2010? Quem sabe aproveitou a oportunidade para desmentir uma vez mais a hipótese do terceiro mandato, que não depende dele e nem do Lula?

Quem quiser que responda, mas despertou curiosidade a entrevista do assessor mais próximo do presidente, único que entra no seu gabinete a hora que quiser, sem bater na porta...
A vida dos pobres não anda boa

De vez em quando o episódio se repete aqui em Brasília, apesar de a capital apresentar, conforme as estatísticas, um dos melhores padrões de vida do País.

Temos aqui um jardim zoológico, por sinal dos mais completos, com leões, tigres, hipopótamos, girafas e mil outros espécimes do reino animal. Volta e meia, para alegria das crianças, a direção do estabelecimento procura enriquecê-lo com outros hóspedes, em especial dos mais comuns, como patos, marrecos, cisnes e outras penosas, postas às centenas num lago artificial.

Pois não foi nem a primeira nem será a última vez que, semana passada, sumiram quase todas. Terão voado para o Pantanal, temerosas do clima cada vez mais seco do Planalto Central?

Parece que não. Ao lado do Jardim Zoológico, separado por uma cerca, faz muito que se construiu um bairro popular, chamado de Candangolândia. Lá, apesar do traçado urbano, multiplicam-se os barracos e, com eles, os desempregados. Pois de quando em quanto, como agora, tarde da noite a turma atravessa a cerca e confisca as aves, cujo destino é a panela.

Conta-se a história de que tempos atrás, num período de maior crise, sumiram montes de pacas, capivaras e porcos do mato. Até mesmo quando uma girafa adoeceu e foi levada para a enfermaria, posta deitada e em repouso, no dia seguinte amanheceu carneada. São coisas que o bolsa-família ainda não conseguiu superar...

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