quinta-feira, 17 de julho de 2008

Voando de costas (Sebastião Nery - Tribuna da Imprensa)

Simpático, elegante, boa conversa, boa gente, ele vivia nos bares, restaurantes, festas, nas chamadas "boas rodas" da sociedade paulista. Um dia, para surpresa dos amigos, cansou, sumiu completamente. Apareceu agricultor em Valinhos, a 60 quilômetros de São Paulo.

Tinha arranjado seis alqueires de terra, conseguiu financiamento agrícola no Banco do Brasil, plantou tudo que dava na região, uma beleza. De repente, chega a notícia: estava preso numa delegacia de São Paulo. José Paulo Freire, o Zé do Pé, fiel aos amigos 24 horas por dia, foi lá.

- O que é que aconteceu?
- Minha roça. Fui plantando, nos seis alqueires, tudo que dava por lá. Um dia, plantei outra coisa, deu azar. Maconha. Um alqueirizinho só.
- Como é que descobriram?
- O diabo dos passarinhos. Os passsarinhos comiam a sementinha, ficavam maluquinhos, num barato, e começavam a voar de costas. A vizinhança nunca tinha visto passarinho voar de costas. A polícia apareceu.

José Paulo Freire achava que a "Esquadrilha da Fumaça" nasceu ali.
Em pane

No mesmo dia em que o saudoso Zé do Pé me contou essa história, em almoço no Padock, em São Paulo, fui a uma assembléia do Sindicato Nacional dos Aeronautas. Saí assustado e escrevi esse texto, que publiquei aqui, em 26 de março de 1978. Título: "Aeroportos em pane".
Exatamente há 30 anos. Parece que foi ontem e que adivinhei.

1 - "O Brasil tem uma das maiores redes aéreas do mundo. Todos sabem. A aviação brasileira é uma das mais adiantadas do mundo. Todos sabem. O Brasil utiliza os mais modernos aviões do mundo. Todos sabem.

Mas não sei se vocês sabem que os aeroportos brasileiros são dos piores do mundo. Com alguns problemas graves. Tão graves que, a qualquer instante, podem transformar-se em gravíssimos. E vai ser tarde para chorar.

2 - Há uma regra mundial básica para aeroporto: jato só pode operar em aeroporto de mais de 2 mil metros. Mesmo jato menor, o Lear-Jet e o Boeing-737-200. Pois o aeroporto de Congonhas, em São Paulo, encravado no coração da cidade imensa, tem exatamente 1.738 metros de pista. A segunda pista tem 1.300 metros.

Congonhas

3 - E no entanto em Congonhas estão descendo, todos os dias, até os novos Airbus, aviões enormes, alguns de mais de 200 passageiros, que exigem normalmente pistas mínimas de além de 2.200 metros.

Já nem cito o da Pampulha, em Belo Horizonte. Esse é hors-concours. Os pilotos sabem que é o pior do País. E continua funcionando, cada dia com mais aviões. (Foi o único realmente enxugado. Para Confins.)

4 - Não basta o Brasil comprar sempre novos aviões, reequipar suas empresas e aumentar dia a dia o padrão de seus serviços aéreos. Também não basta o aeronauta brasileiro, pilotos e comissários, ser considerado entre os mais preparados e eficientes da aviação mundial.

Avião não é passarinho, que voa do galho e desce na grama. E muito menos aterrissa de costas. Avião precisa de aeroporto. E os aeroportos brasileiros estão em pane. Precisam de socorro. Enquanto é tempo".
Jobim

Hoje (30 anos depois de escrever essa coluna), já faz um ano que o Airbus da TAM não freou e explodiu no minúsculo aeroporto de Congonhas, matando 199 pessoas. Não agiram enquanto era tempo.

E não querem agir agora. Anteontem, o ministro da Defesa Nelson Jobim deu inacreditáveis, levianas e irresponsáveis declarações:

"O aeroporto de Congonhas vive atualmente uma situação de segurança absoluta (sic). A situação de segurança em Congonhas é absoluta. Reduzimos de 48 para 34 os pousos e decolagens a cada hora: 30 para a aviação comercial e 4 para a aviação geral, que são os táxis aéreos. Houve uma redução importante no volume de passageiros com a transferência de vôos para Guarulhos" (TRIBUNA DA IMPRENSA).

Mas o problema principal, o tamanho da pista, continuou.
TAM

O diretor do Sindicato Nacional dos Aeronautas, Carlos Camacho, respondeu, afirmando ao "Estado de S. Paulo" que "os perigos e riscos para operações em Congonhas permanecem: Congonhas vive o contraste de operar aviões grandes em uma pista pequena, de 1.790 metros; a cada mil pousos de aviões grandes com problemas, um pode acabar em acidente".

Um ano após a tragédia com o avião da TAM, laudo da Diretoria de Engenharia da Aeronáutica (Direng) mostrou que "a maxtextura do asfalto do Aeroporto de Congonhas está abaixo do padrão mínimo de segurança: tem em média 0,35 milímetros, quando o mínimo estipulado pela norma IAC 4.302 do extinto DAC é de 0,5 milímetros" ("O Globo").

"Caos aéreo: em Congonhas, o aeroporto mais importante do País, a solução apresentada para diminuir o risco de acidentes era reduzir em 40% os pousos e as decolagens. A redução foi de apenas 20%. O aeroporto segue em seu ritmo frenético, com 36.500 usuários e quase 500 aviões de passageiros pousando e decolando todos os dias, cercado de prédios e casas por todos os lados. A reduzida extensão da pista acabou se agravando. Para criar uma área de escape, encolheu-se em 150 metros cada cabeceira" ("Veja"). E as chuvas não começaram. Quando vierem, pode vir nova tragédia.

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